segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um adeus português.





Lisboa
Mais de 200 pessoas prestaram homenagem ao 'Senhor do Adeus'
por ELISABETE SILVA
No Saldanha, junto ao semáforo onde João Manuel Serra parava para acenar e sorrir, uma pequena multidão repetiu o gesto do adeus e até se pediu que fosse feita uma estátua

Durante uma década foi um adeus solitário que marcou o Saldanha, em Lisboa. Mas o que parecia ser um aceno simples e que passava despercebido afinal era mesmo uma das imagens da capital e "tocava" a maioria que por ali passava. Mais de 200 pessoas mostraram isso mesmo ao aparecer quinta-feira à noite junto ao semáforo em que o "Senhor do Adeus" cumprimentava quem passava. Repetiram durante duas horas o aceno que a morte de João Manuel Serra (aos 79 anos) fez desaparecer.

"É o mais bonito velório a que fui nos últimos anos e que, provavelmente, terei a oportunidade de ir nos próximos", confessou ao DN Rui Zink, uma das personalidades que acompanharam os inúmeros anónimos que quiseram homenagear o "Senhor do Adeus". O escritor nunca falou com João Manuel Serra, mas das tantas vezes que por ele passou apreciava o "acto poético": "Não sei com que espírito ele fazia isto. Fazia e ponto. O acto era bonito, era inofensivo, era poético. Digamos que ele era um louco simpático."

A jornalista Leonor Pinhão, a apresentadora Leonor Poeiras e o advogado Ricardo Sá Fernandes também estiveram presentes. Este último não conseguiu esconder a emoção e foi de lágrimas nos olhos que realçou a perda de um "ex libris de Lisboa".

Lágrimas que também Olinda Serrano não escondeu, pois via-o sempre enquanto vendia castanhas. Apesar de gostar do número de pessoas que surgiram para o "velório", já o aparato considerou não ser o que o "Senhor do Adeus" mais gostaria de assistir: "Ele não queria estes risos todos, ele queria um sorriso afável e natural."

A concentração começou às 22.00 de quinta-feira e, durante duas horas, não foi só nos passeios que se prestou a homenagem. Na estrada, centenas de condutores buzinavam, correspondendo como sempre faziam ao gesto do "Senhor do Adeus".

Nem mesmo a polícia resistiu, com um agente da PSP a responder com um tímido aceno à homenagem.

Cruzaram-se histórias de João Manuel Serra, bateram-se palmas, acenderam-se velas. Muitos paravam o carro por alguns minutos para se juntar à multidão. Foi o caso dos irmãos Luís e Carlos Neto, que não quiseram deixar de ir ao Saldanha para se despedirem daquela "figura simpática que alegrava as pessoas ao final do dia". Só por esse motivo, Luís defende que se faça uma estátua na praça para prestar uma eterna homenagem ao "Senhor do Adeus".

A sua ideia não é original, pois já durante o dia se sucederam pedidos idênticos, tanto no blog Senhor do Adeus como no Facebook. Desde o Restelo (onde também se realizou homenagem idêntica à do Saldanha), passando por Belém e terminando no Saldanha, João Manuel Serra cumprimentava quem passava. E tal como a letra do fado que lhe foi dedicado - interpretado por Carlos do Carmo e Marco Rodrigues - muitos escrevem que o gesto não era um adeus, mas sim um olá.

Perto da estátua do duque de Saldanha, junto ao semáforo, foi ontem colocado um cartaz, com pessoas a acenar.

Para muitos lisboetas, a capital está mais pobre, e no Facebook podia ler-se que "perdeu um pouco da sua humanidade".

(in Diário de Notícias).

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