Murais
José Luís Peixoto confessou às paredes de quem gosta
Um escritor. Estudantes de Artes, Design e Arquitectura que reinventaram as palavras dele. Tudo posto em paredes de Lisboa, são declarações de amor pela cidade. Oito trabalhos para oito textos ?em quatro locais para visitar até Abril. Um conjunto de intervenções urbanas idealizado por uma empresa e apoiado pela Câmara de Lisboa. Por Cláudia Sobral (texto) e Daniel Rocha (fotografias)
Não, não é um pedaço de chão de cidade. É praça, é pavimento ao alto, nascido de tintas, trinchas e latas de spray, num mural na Avenida de Ceuta, Lisboa. Rosas-dos-ventos apontam para os lugares do mundo. Para os lugares aonde fomos, aonde foi Lisboa. Este chão é chão de Lisboa. "De onde chegas, Lisboa? Cheiras a Brasil e a Luanda, cheiras a música e a chá. Na praça, os pombos são o contrário de uma explosão, trazem pedaços de ti, devolvem o céu que emprestaste ao mundo." O mural é de um grupo de alunos da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (FBAUP); o texto do escritor José Luís Peixoto.
Pediram-lhe que escrevesse oito pequenos textos - este é um deles. E pediram a grupos de alunos de oito escolas de Artes, Design e Arquitectura de Lisboa e do Porto que os interpretassem e recriassem para serem pintados em paredes vazias da capital.
A ideia de ocupar muros vazios é da empresa de tintas e vernizes CIN. A CIN Re-Make "10, iniciativa organizada há três anos pela empresa com o apoio da Câmara de Lisboa, que cedeuos locais, resultou num conjunto de oito murais expostos pela capital até Abril do próximo ano. Os trabalhos, concebidos pelos alunos e depois replicados nos locais pela empresa responsável, podem ser vistos na Avenida de Ceuta, na Rua da Imprensa à Estrela, na Rua José Gomes Ferreira e no acesso à Ponte 25 de Abril de Alcântara.
Quatro locais, oito textos e oito murais de oito escolas: Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing (IADE), Escola Técnica de Imagem e Comunicação, Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, FBAUP, Escola Superior Artística do Porto (ESAP), Universidade Católica, Escola Superior de Artes e Design (ESAD) e Restart. Catarina Lisboa, responsável pela participação do IADE neste projecto, diz que "este é mais um bom exemplo de como as escolas se devem envolver com o mercado".
Alcântara, via de acesso à Ponte 25 de Abril. Duas personagens da altura de vários andares de um prédio: ela segura um livro, ele grita - mas o som é feito de lábios. São eles que vão encher o livro. Este mural é da autoria de dois alunos da ESAP. "Abres o livro onde está escrita a nossa história. Aqueles que o lerem serão capazes de acreditar que nunca existimos, que nascemos da imaginação de um escritor ou de uma cidade. Sorrimos perante essa ideia, Lisboa. Temos lábios, utilizamo-los para beijar-nos", Tinha escrito José Luís Peixoto.
"Todos eles [os textos] fazem parte de uma longa declaração de amor a Lisboa e na realidade estão muito longe de esgotar o tema", explica o autor dos textos de três ou quatro linhas que serviram de inspiração aos jovens artistas. "Eu, que cheguei cá há 18 anos, sinto que fui bem acolhido por esta cidade, sinto que já é também minha e que lhe devo bastante. E esta é uma oportunidade de lhe devolver um pouquinho, depois do tanto que a cidade me tem dado."
Aonde os livros não chegam
Para o professor que coordenou o projecto dos alunos da ESAP, Raul Rabaça, "a arte deve ter um compromisso com o dia-a-dia das pessoas". Num país em que, diz, "o espaço para arte é muito limitado", é importante que os artistas "não estejam alheadas do meio onde estão e que possam estar ligados às populações, em vez de fechados em galerias". "Essa é a grande novidade do CIN Re-Make: dar uma nova dimensão à vida das pessoas, afirma.
Ter os seus trabalhos nas paredes de Lisboa - todos os murais são acompanhados pelos textos em que se basearam -, "à disposição de quem passa" é "muito gratificante", garante José Luís Peixoto, que nunca tinha participado em iniciativas do género. "E é muito interessante estar a ver uma interpretação - algo que acontece sempre que se lê um texto - expressa de forma visual por alguém que tem esse tipo de sensibilidade", assegura.
Uma forma de levar a sua escrita aonde os livros não chegam? "Acaba por apelar a muitas pessoas que não têm hábitos de leitura - ou de livraria, pelo menos", responde. "Acredito na arte como algo que se destina a todos os que queiram usufruir dela."
(in Público).
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