Câmara de Lisboa fez um contrato de 125 mil euros sem concurso
Por Ana Henriques
Ajuste directo relacionado com pessoal para o Mude foi feito ao abrigo de regra que o autoriza, quando não há mais ninguém capaz de fazer o serviço
A Câmara de Lisboa entregou 125 mil euros, sem concurso público, a uma associação sem fins lucrativos que está a assegurar o atendimento ao público no Museu do Design e da Moda (Mude), durante um período de seis meses. O serviço é executado por perto de sete dezenas de jovens finalistas de cursos de artes, pagos a 4,5 euros à hora pela associação contratada, a Aumento d"Ideias.
A lei estabelece, como princípio geral, um máximo de 75 mil euros para os ajustes directos de fornecimento de serviços. Celebrado em Maio passado, o contrato com a Aumento d"Ideias destina-se, segundo o portal dos contratos públicos, à "coordenação, organização e desenvolvimento do serviço educativo" do museu.
Pelo mesmo portal fica a saber-se que a câmara, para fazer o ajuste directo, invocou uma cláusula que permite a dispensa de concurso, quando, "por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos", o serviço pretendido só possa ser confiado a uma determinada entidade.
Ao recorrer a esta via, a câmara ficou também em condições de ultrapassar o montante máximo de 75.000 euros sem lançar qualquer concurso. Isto, porque a lei diz que, quando não há mais ninguém capaz de fornecer o serviço em causa, não há limite para o valor do ajuste directo. A Aumento d"Ideias foi considerada pela autarquia a única entidade com condições para ser contratada, apesar de só ter sido criada em Setembro de 2009.
De acordo com a directora do Mude, Bárbara Coutinho, a Aumento d"Ideias não se limita a fornecer pessoal: "Ajudou a criar não um serviço mas um programa educativo." E em que consiste esse programa? "Na feitura de alguns cursos e em visitas guiadas." Questionada sobre se não poderia ter recorrido a alguns dos mais de 11 mil funcionários da câmara, Bárbara Coutinho responde que isso não servia os objectivos da instituição que dirige: "É muito mais interessante para o museu recorrer a estes jovens, que têm formação específica, dominam línguas estrangeiras e trazem com eles dinamismo."
"Estão aqui em turnos de três ou quatro horas, consoante as suas disponibilidades, e nem sempre todos os dias", informa. Trabalham com os sete funcionários permanentes do museu, número que já inclui a directora.
Antes deste contrato, a autarquia já tinha celebrado com a Aumento d"Ideias um outro, de 20 mil euros, em Dezembro passado, para a criação do serviço educativo do Mude. Nessa altura ainda uma das duas fundadoras da associação, criada apenas três meses antes, trabalhava no Museu Berardo, no Centro Cultural de Belém. Bárbara Coutinho também passou pelo CCB. Depois de considerar "um bocadinho persecutória" a pergunta sobre como apareceu a Aumento d"Ideias no museu, a directora acaba por contar que foi a associação a propor-lhe aquilo que designa por "parceria". A experiência e o currículo das fundadoras da associação, cujo trabalho conhecia do CCB, foram determinantes, acrescenta. Bárbara Coutinho diz que não seria a mesma coisa, se a câmara efectuasse protocolos de prestação de serviços com as universidades de onde os estudantes provêm, uma vez que se perderia o know-how da associação. "Somos muito criteriosos com os dinheiros públicos com que lidamos", acrescenta.
Uma das fundadoras da Aumento d"Ideias, a artista plástica Natércia Caneira, garante que a associação não retira desta prestação de serviços qualquer lucro: "Fornecemos muita gente e são muitas horas de trabalho [o museu funciona das 10h às 20h, horário que se prolonga até às 22h às sextas e sábados]. E é incrível a quantidade de solicitações que temos para visitas escolares." A produção de conteúdos para instituições culturais também já levou a Aumento d"Ideias a trabalhar no Pavilhão do Conhecimento.
O PÚBLICO tentou repetidamente obter esclarecimentos da Câmara de Lisboa sobre este assunto, mas sem sucesso.
(in Público)
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