sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Janelas fechadas com medo de disparos.

Janelas fechadas com medo de disparos
Tradição de celebrar novo ano com disparo de armas deixa moradores de Chelas em sobressalto

Os habitantes do Bairro do Armador, em Lisboa, vão entrar em 2010 de janelas bem fechadas. Temem que a tradição de disparar para o ar na passagem de ano, que já causou feridos graves no passado, faça novas vítimas.

Todos os anos, a 31 de Dezembro, Tina Silva, 43 anos, fica indecisa sobre como passar a meia-noite. Por um lado, gosta de ver subir ao terraço do prédio onde mora há 12 anos, no Bairro do Armador (a antiga zona M de Chelas) para ver o fogo-de-artifício na Ponte Vasco da Gama. Por outro, tem medo de ser atingida por uma das centenas de balas disparadas por habitantes do bairro, como forma de celebrar a entrada no novo ano.

Nos últimos anos, o receio tem levado a melhor. "Nem venho à janela", conta, "Assim que oiço os tiros fecho os estores e deixo-me estar dentro de casa, porque tenho muito medo".

António Manuel, 70 anos, nem sempre celebra o novo ano em casa, mas quando o faz, também guarda uma distância de segurança das janelas. "Quem é que houve tiros e não tem medo?", pergunta o reformado.

À interrogação de António Manuel responde Carlos Silva, 28 anos. "Eu nem ligo. Já sei que é assim todos os anos e oiço os tiros como quem ouve fogo-de-artifício. Se for preciso saio à rua na mesma", garante. Para o morador, mais preocupante do que as balas perdidas é o facto de existirem tantas armas no bairro.

António Manuel concorda e considera que "a maior parte das pessoas arranja uma arma a qualquer preço".

E, se na passagem de ano o principal receio são as balas perdidas, o que preocupa os moradores no resto do ano são os tiros intencionais. "Não estamos seguros em lado nenhum. E este bairro então é uma maravilha", ironiza.

Ainda este mês, uma intervenção da PSP no bairro mostrou que António Manuel tem razões para ter medo: a polícia apreendeu 38 armas e deteve três pessoas por posse ilegal das mesmas.

Todos os anos, durante largos minutos por volta da meia-noite, o Bairro do Armador é palco de um arraial de disparos, alguns de armas automáticas, digno de um cenário de guerra. Os festejos já tiveram consequências nefastas. Há dois anos, um homem de 45 anos foi atingido por uma bala que lhe entrou no corpo junto ao coração e saiu pelas costas. A vítima, que estava a contemplar os festejos quando foi alvejada, acabaria por sobreviver e a PSP identificou o autor do disparo.

Esta forma de festejar, que é ilegal mesmo quando as armas utilizadas estão licenciadas, é, de resto, uma prática generalizada por vários bairros da Área Metropolitana de Lisboa, tendo-se já registado diversos acidentes.

A polícia garante estar atenta mas o patrulhamento será o normal para esta época do ano, não estando previsto qualquer dispositivo especial para combater aquela prática. Foi isso que explicou ao JN fonte do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, garantindo, no entanto, que "se a polícia verificar alguma ilegalidade no terreno ou se receber uma denúncia de algum cidadão sobre algum caso em concreto, agirá em conformidade".
(in «Jornal de Notícias», de 31/12/2009).

1 comentário:

Gastão de Brito e Silva disse...

Entre Zagreb, Bagdad e Far West...é a globalização...deviamos ficar contentes com estas modernices...