segunda-feira, 7 de março de 2011

Liberdade Provisória.





Liberdade Provisória. Sociedade de artistas ilimitada
por Clara Silva
"Filha, é aqui que nos vamos sentar para ver a peça?", pergunta uma mulher com um ar incomodado enquanto aponta para um banco portátil, daqueles que se usam no campismo. "Acho que sim", responde a rapariga sem parecer preocupada. A pilha de pequenos bancos na entrada do 3º andar vai diminuindo à medida que se aproximam as dez horas. Quem entra àquela hora na Liberdade Provisória, a associação de artistas num andar da Avenida da Liberdade, em Lisboa, tem direito a receber um banco e a ouvir o seu nome gritado por um homem vestido de fato-macaco. "Boa viagem", deseja aos que chegam intrigados, enquanto entrega um bilhete.

Faz tudo parte do espectáculo "Chegadas" da companhia Teatro do Vestido. "O objectivo é que as pessoas percorram as quatro salas onde a peça se vai desenrolar", explica Joana Craveiro, de 36 anos, a directora artística da companhia com dez anos de existência. Joana e as duas outras actrizes que fazem parte do elenco tiveram menos de uma hora para montar o cenário. "Estas salas são comuns a outros artistas da Liberdade Provisória. Tivemos de desmontar uma exposição que aqui estava", esclarece. Mas não parece complicado: alguns sofás, candeeiros, um projector e malas de viagem antigas compõe o cenário que só pode ser visto por 15 espectadores. "Estreámos o espectáculo em Agosto do ano passado no festival Escrita na Paisagem e aí tivemos 200 pessoas a assistir na estação ferroviária de Évora. Agora fizemos uma versão de câmara, mais intimista, adaptada a este espaço."

Na peça que vai estar em cena quarta e quinta-feira as actrizes, entre outras peripécias, abraçam o público depois de uma longa viagem e até picam o bilhete, como se fossem revisoras de comboio. O espectáculo é "um levantamento documental de vários actos de chegada", explica Joana. "Fizemos trabalho de campo em sítios como aeroportos, cais, estações de camioneta e de comboio e inspirámo-nos nas descrições de vários autores sobre o acto de chegar."

Antes de se instalar na Liberdade Provisória, a companhia Teatro do Vestido não tinha casa. "Desde 2008 que estávamos sem espaço fixo", conta Joana. "Um dos directores daqui soube disso, contactou-nos em Dezembro e agora estamos cá, mas com a consciência de que é provisório."

Espaço provisório

André Amálio, um dos quatro directores da Liberdade Provisória, também sabe que o espaço é temporário. "Aliás, por isso é que escolhemos este nome. O andar pertence a uma empresa privada que em breve vai remodelá-lo e vendê-lo." Para já ficar sem tecto não parece ser uma preocupação do colectivo de artistas. "A ideia é continuarmos a dar vida a outros sítios em Lisboa que estão ao abandono", diz André Amálio. "Como este espaço que não estava a ser utilizado. Soubemos disso e surgiu a oportunidade de o alugarmos. Em Janeiro abrimos ao público com uma programação e começámos a alugar ateliês a artistas que queriam trabalhar fora de casa."

"O nosso interesse é misturar pessoas de várias áreas, desde teatro, performance, música ou vídeo", explica o artista plástico João Galrão, outro dos directores da Liberdade Provisória. João partilha o ateliê com o também artista plástico e director do colectivo André Fradique. Na sala ao lado trabalham os músicos Nuno Reis e Beatriz Portugal e em frente fica o laboratório do fotógrafo angolano Délio Jasse. Ao todo são oito artistas residentes, mas o número pode aumentar se o colectivo se expandir para o quinto andar. "Desse convívio surgem projectos interessantes", diz André Fradique que inaugura uma exposição sua na sexta-feira. "Às tantas aquela ideia que era só uma pintura transforma-se numa pintura e num vídeo."Para Joana Craveiro, do Teatro do Vestido, o convívio com artistas de outras áreas também é o mais aliciante. "Mas também tem outras implicações. Todos os artistas querem mostrar o seu trabalho e como as salas são poucas há que gerir isso."

Cursos, cultura e festas

Para visitar a Liberdade Provisória é preciso tornar-se sócio e pagar 5 euros anuais. Todas as sextas e sábados o colectivo abre as portas com três actividades para os sócios. "Uma exposição de um artista residente, uma peça de teatro ou um espectáculo de dança e um concerto", conta Cláudia de Brito, outra das directoras do espaço de artistas. Em breve, as actividades vão decorrer também aos dias de semana. "A partir do dia 19 vamos ter cursos pós-laborais de escrita criativa, teatro, escultura, desenho e performance." Existe também um bar improvisado numa cozinha que serve bebidas e alguns petiscos. Uma coisa é certa: o espaço é provisório, por isso apresse-se a visitá-lo.

Liberdade Provisória, Avenida da Liberdade, 220, 3º andar, Lisboa.


(in jornal «i»).

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