segunda-feira, 12 de julho de 2010

Photowalkers.



Uma cidade de grão em grão Fotografia
Parecem turistas, mas não têm nada a ver com eles. O exercício deles é fotografar, o alvo são cidades de norte a sul do país e o resultado é um grupo de amigos. Também os há pelo mundo fora e dentro de duas semanas voltarão à rua. Já conhece os photowalkers? Por Eduarda Sousa

Um domingo de sol, uma manhã na cidade. Num cemitério, um jovem casal de namorados aproveita os primeiros raios, depois de uma noite chuvosa.A lógica aqui é ver as coisas pelo seu avesso, como a imagem invertida de uma lente, ou o retrato ainda e só no negativo. Por um lado, os namorados, Eduardo e Ana, não estão a namorar. Por outro, aqui o cemitério é ponto de partida. O plano é entrar no mais famoso eléctrico de Lisboa, o 28, sair nos sítios mais emblemáticos da capital e, com olho de lince, apontar e disparar. Um passeio de máquina fotográfica em punho, e pelo caminho, perpetuar Lisboa no grão da película fotográfica. Porque essa é uma regra fundamental dos raides Photowalkers, que se realizam mensalmente em diversos pontos de Portugal e do planeta, nem sempre com a mesma periodicidade. O retro está in, o passado nunca saiu de moda e da mesma forma como os discos de vinil reapareceram no mercado, as máquinas analógicas continuam a ter muito uso e adeptos por aí.Eduardo Calvet, 39 anos, e Ana Nunes, 29, são dois dos administradores do Fórum PT-Photowalkers que organiza mensalmente passeios desta natureza. Um pouco de inglês permite descodificar esta actividade: photowalkers, passear e fotografar."Uma vez por mês combinamos um photowalk e um jantar", diz Ana, de óculos de sol vermelhos, a condizer com a sua máquina de eleição, uma Holga. Este tipo de máquina de médio formato, produzido na China, utiliza filmes de 120mm. Cada rolo dá para 12 a 16 fotogramas. O corpo em plástico ajuda à competitividade no preço (45 euros, online). O contrário da Holga é a Hasselblad 500ELM, de Ivo Lázaro, 23 anos. No tempo das analógicas, uma Hasselblad era uma fortuna. A marca popularizou-se por muitas coisas, uma delas pelo facto de ser usada na década de 1960 pela agência espacial norte-americana, a NASA. Hoje em dia, continuam caras, mas o que custava 4000 euros há uns anos encontra-se actualmente por uns 500 ou 600 euros. A popularidade da fotografia digital, mais imediata e acessível às massas, desvalorizou a película e as máquinas analógicas, que a indústria praticamente já só produz para nichos reduzidíssimos, como coleccionadores. Nos encontros mensais dos Photowalkers, os rolos de película são o ingrediente principal. Há quem leve máquina digital, mas a maioria traz analógicas. O resto da ementa não tem segredo. Via-se a um endereço na World Wide Web, no qual se aloja um fórum virtual, que mais cedo ou mais tarde é descoberto por gente que se interessa pelo tema e que, mesmo não se conhecendo antes, socializa através da Internet e desenvolve os seus interesses mutuamente, ainda que à distância. A coisa só começa a tornar-se física nos encontros propriamente ditos. E nas salas de revelação, onde também entra a química indispensável que traz à tona do papel o que antes estava guardado no rolo.Frederico Claudino, 43 anos, chega ao Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, com o cansaço estampado no rosto. "Estive a trabalhar até às 8h30. Venho de directa", diz este técnico de áudio. Não passou pela cama, nem passa sem o que define como "convívios" que servem para "trocar experiências". Comentários sobre as máquinas que cada um traz e a colocação de rolos marcam os momentos que antecedem a viagem. O relógio marca 10h30. Photowalkers são dez. É altura de partir. Um dos ícones da Carris, o eléctrico 28, ainda não parou e já as máquinas disparam na direcção da caixinha amarela, carregada de recordações.O Jardim da Estrela, em frente à basílica, é a primeira paragem. Num recanto, a estátua de Antero de Quental, da autoria de Barata Feyo, namora com a Hasselblad.Disparar é um pretextoDescemos a Calçada da Estrela, em direcção à Rua de S. Bento, e parámos no Jardim das Francesinhas, à Lapa, mesmo ao lado da Assembleia da República. Uma pausa para sentar, colocar novos rolos e trocar de equipamentos. Nas mãos de Francisco Gomes, 20 anos, estudante na Escola Superior de Música de Lisboa, uma máquina que chama a atenção: uma Bronica SQ-A, um modelo muito semelhante à Hassebald, que nos remete para o tempo dos nossos avós. "Comecei a interessar-me por fotografia há três anos, quando comprei uma máquina digital. Depois passei para o analógico."O ruído da campainha do eléctrico acorda o grupo. "Os nossos passeios costumam ser em Lisboa, porque quase todos os membros activos do Fórum PT-Photowalkers moram aqui", diz Ana Nunes. Já estiveram na Ericeira, Aveiro, Setúbal, Santarém, Sintra, Porto, Peniche, Almada, Sintra, Cascais ou Cacilhas. De vez em quando, apontam as objectivas para algo mais particular, como uma visita ao Jardim Zoológico, uma ronda pelos museus da cidade.Victor Hertizel, 33 anos, historiador arquivista, adepto incondicional de máquinas analógicas: "Estes encontros são apenas um pretexto para estarmos juntos." Porque a fotografia, diz Hertizel, é para ele um acto solitário. "São raros os momentos em que tiro fotografias em grupo e acabo por gostar do resultado final."Na cabina de madeira do Elevador de Santa Justa, apertados entre turistas, chegamos ao topo. Uma vista esplêndida sobre o Rossio, a Baixa de Lisboa, o Castelo de S. Jorge, na colina oposta, o rio Tejo e as ruínas da Igreja do Convento do Carmo. Máquinas de muito valorO valor das máquinas presentes neste photowalk ultrapassa os 5000 euros. Para evitar assaltos o grupo só organiza passeios com um número considerável de participantes. "Um simples visitante do Fórum PT - Photowalkers, que não esteja registado, só tem acesso aos encontros já realizados. Não consegue ver os que estamos a preparar", acrescenta Claudino, que garante ser imprescindível o sigilo. Voltamos ao eléctrico 28. Nos bancos de madeira, entre sacudidelas e muitos apertos, os photowalkers não dão descanso às máquinas e aproveitam para captar imagens dos passageiros ou da azáfama das ruas. O próximo destino é a Sé e um dos bairros mais antigos e emblemáticos da cidade - Alfama. Procuram-se as gentes de Lisboa, que à janela ou sentadas nos bancos até sorriem para a fotografia.O trajecto está prestes a terminar. Descemos no Martim Moniz e seguimos até à Ginginha, um minúsculo estabelecimento que continua a servir esta popular bebida. "Há personagens muito boas para fotografar", diz Victor Hertziel, enquanto caminha em direcção ao Terreiro do Paço. Músicos que tocam na rua provocam muitas paragens. O registo da vida urbana que emerge da Baixa lisboeta é o último motivo do passeio photowalker. Mas não acaba por aqui.Há muitos rolos por revelar. O passeio prolonga-se nos próximos dias pelo fórum e pela conta do grupo no Flickr, onde vão chegando aos poucos as fotografias do encontro. "Se há coisa que me chateia quando saio num photowalk, é ver depois as outras fotografias e pensar: "Como é que eu não vi aquilo?"", escreve Victor Hertizel, ao comentar uma imagem tirada por Francisco Fernandes. Todos percorreram o mesmo trajecto. Mas cada um captou Lisboa de maneira diferente.
(in Público).

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